TRANSGÊNICOS.
Michael Antoniou, médico geneticista do Reino Unido, suscita debate sobre alimentos transgênicos e seus efeitos
Em todo o mundo, há mais de 180 milhões de hectares com cultivo de plantas geneticamente modificadas, as chamadas transgênicas. O maior mercado produtor está nos Estados Unidos, com um terço de todo o plantio. Em seguida, vem o Brasil, que cresceu 35% em um ano, e hoje conta com 21,4 milhões de hectares de cultivo transgênico. Globalmente, os transgênicos representam de 8 a 10% da agricultura. No entanto, parte dos médicos e pesquisadores, principalmente europeus, alega que esses alimentos podem ser perigosos para a saúde e para o meio ambiente.
O PhD em Genética Molecular e professor de Biologia Molecular e Terapia Genética, Michael Antoniou, do King’s College London, veio ao Brasil em junho para discussões sobre os efeitos dos transgênicos na saúde. Os eventos, organizados pelo Instituto Saúde e Sustentabilidade e pela ONG Ética da Terra, com apoio da Associação Paulista de Medicina (APM), incluíram seminários para a Universidade Livre do Meio Ambiente (Umapaz) e participação em encontro da Diretoria da APM.
Nesta entrevista exclusiva à Revista da APM, Antoniou explica os eventuais riscos à saúde e refuta alguns dos mais freqüentes argumentos favoráveis aos transgênicos, alertando para a necessidade de as pessoas se preocuparem com a questão, buscarem informações e agirem.
Por que a preocupação com os transgênicos?
A tecnologia transgênica traz uma combinação de genes que não ocorre normalmente na natureza. O processo é altamente mutagênico, interfere na sequência natural de genes e funções, com influência na bioquímica da planta. Isso, juntamente com a introdução de novos componentes na nossa dieta, pode gerar novas toxinas e provocar alergias, além de interferir no valor nutricional da planta. Estudos com milho, trigo e arroz transgênicos já mostraram esse tipo de efeito. Por último, sementes transgênicas como as da soja absorvem herbicidas ou produzem seus próprios pesticidas, que mesmo em baixa concentração, podem se tornar tóxicos. Ao se reproduzir e se espalhar, podem prejudicar o meio ambiente e a vida animal. Não é questão de ‘se’, mas de ‘quando’ o problema vai chegar. Do ponto de vista científico, não vale a pena o risco.
Os defensores dos transgênicos alegam que não há provas de que façam mal aos seres humanos. O que está realmente provado?
O uso de transgênicos, segundo o entendimento moderno da genética, viola a ordem natural. Quem diz que não há sinais de danos e que a tecnologia é absolutamente segura não está agindo de acordo com a ciência. Estudos com alimentação de animais mostram sinais claros de efeitos colaterais do ponto de vista de saúde para quem consome transgênicos. No caso dos humanos, não há monitoramento da população que se alimenta de transgênicos, então não é científico dizer que não há efeitos adversos documentados. Se eles estão apoiando transgênicos, o fazem por razões não científicas.
Um alerta sobre as modificações genéticas
Do que falam os artigos selecionados para as discussões no Brasil?
Os artigos mostram efeitos adversos possíveis e reais no consumo de transgênicos. Mas são apenas representativos; há muitos outros que mostram o os mesmos efeitos negativos para a saúde. De acordo com a legislação, os estudos com transgênicos em animais devem ser feitos em períodos máximos de 90 dias, o que não é suficiente, já que pode haver efeitos a longo prazo, ainda mais que pessoas podem fazer o consumo desses transgênicos pelo resto de suas vidas. Mesmo assim, houve diferenças significativas entre os animais alimentados com transgênicos e não-transgênicos. O primeiro artigo é uma análise de diferentes estudos publicados sobre alimentação, que conclui ser impossível atestar os prováveis efeitos. Ou seja, não é possível dizer que é inseguro, mas com toda certeza também não se pode dizer que é seguro.
O segundo é um dos primeiros estudos mostrando efeitos colaterais em batatas transgênicas. Outro é sobre soja transgênica, na Itália, mostrando que ratos que comeram o alimento tiveram problemas no fígado. Por fim, em outra série de estudos, conduzida pela maior produtora de transgênicos do mundo, mostrou que as três variedades de milho estudadas causavam sinais claros de toxidade nas funções dos rins e do fígado.
Estados Unidos e Europa têm posições totalmente diferentes em relação aos transgênicos. Por quê?
A Comissão Europeia e os políticos americanos são ambos extremamente a favor dos transgênicos. A diferença está na rejeição do consumidor europeu. É isso que manteve os transgênicos fora dos mercados na Europa.
Se os consumidores não vão comprar, não há porque os supermercados abastecerem ou os produtores cultivarem.
Seria perda de dinheiro. Além disso, a regulação é também diferente. Nos Estados Unidos, vale a regra da equivalência, ou seja, que transgênicos e não-transgênicos sejam basicamente o mesmo em sua composição. Na Europa, a base também depende de estudos com alimentação animal e, apesar de se resumirem a 90 dias, alguns já mostram efeitos nocivos, como o aumento da toxidade nas funções de rins e fígado. Em estudos independentes, são enormes as diferenças entre transgênicos e não transgênicos.
Como o Brasil se coloca nesse quadro?
Está claro que a maioria dos brasileiros não sabe o que são alimentos transgênicos. Por outro lado, é muito positiva a atuação das organizações não-governamentais que se preocupam com o problema. São Paulo foi declarada uma área livre de transgênicos.
Isso mostra que se está ouvindo a ciência independente e percebendo que o método não é seguro e, com toda certeza, não é necessário. Agora, é preciso educar a população e as ONG’s têm um papel fundamental nesse cenário.
Um argumento que se usa a favor dos transgênicos é que eles diminuiriam o uso de herbicidas. O que é pior: alimentos geneticamente modificados ou agrotóxicos?
Não se pode separá-los. Apesar de as sementes transgênicas serem mais tolerantes, as indústrias continuam usando herbicidas a fim de maximizar os lucros. Por isso, não é um ou outro; são os dois. Os transgênicos possuem tanto a toxina derivada do processo transgênico quanto a do agrotóxico. As duas são perigosas, em diferentes formas.
Combinadas são ainda piores.
Outra justificativa usada em prol dos transgênicos é o combate à fome. Esse é um argumento válido, em sua opinião?
Essa é mais uma chantagem emocional. Produzimos comida em quantidade mais do que duas vezes suficiente para a população mundial, mas, por questões político-econômicas, as pessoas não têm acesso. Para aumentar a disponibilidade, seria interessante uma mudança de hábitos.
Uma quantidade enorme de terra que poderia estar sendo usada para o plantio é direcionada para a criação de gado. Por outro lado, para produzir um quilo de carne, são necessários oito quilos de grãos para a alimentação animal. Lógico que oito quilos de grãos vão alimentar mais pessoas do que um quilo de carne. É simples matemática: se eu como menos carne, sobram mais grãos. A questão da fome é muito complexa e não tem nada a ver com os transgênicos. Os grãos transgênicos, por sinal, são direcionados para a parte rica do mundo.
Tentaram incorporar milho transgênico na África e não deu certo.
O que se pode fazer para diminuir o mercado dos transgênicos?
As organizações não-governamentais não podem só fazer lobby com o governo. É preciso falar diretamente com a população e educar para que as pessoas influenciem as redes de supermercados e exijam que os transgênicos não sejam vendidos. No Reino Unido, as pessoas disseram ‘não’ aos ingredientes transgênicos e os supermercados responderam retirando os transgênicos dos produtos de marca própria, o que eliminou o cultivo de alimentos geneticamente modificados. Na Europa, o único cultivo transgênico é o de milho e, mesmo assim, com poucos hectares. Se os brasileiros não querem transgênicos, devem se fazer ouvir. Assim funcionou na Europa, escrevendo cartas aos supermercados, produtores de alimentos e aos representantes do governo. Só assim é possível conseguir mudanças. Um exemplo é a canola, uma planta geneticamente modificada que começou a ser cultivada comercialmente em 1998.
Até hoje, doze anos depois, ainda não há nenhum pé dessa planta no Reino Unido.
Além dos transgênicos, como outros fatores relacionados ao meio ambiente podem afetar a saúde?
Há algumas formas óbvias e outras não tão óbvias. Primeiro, há os poluentes do ar e os resíduos químicos gerados pelas indústrias. Mesmo que em pequenas doses, quando acumulados, eles podem atrapalhar o funcionamento do organismo e provocar efeitos na saúde. Em alguns casos, essas toxinas podem matar. Já em relação à genética, percebe-se que a alimentação influencia diretamente na saúde. A epigenética é uma parte da genética que controla o funcionamento dos genes. O meio ambiente influencia a epigenética e interfere no funcionamento dos genes para melhor ou pior. O lado positivo é que, por estar associada basicamente ao estilo de vida, ela é reversível. Uma pessoa com uma epigenética ruim pode mudar seus hábitos e melhorar.
“Estudos mostram efeitos colaterais do ponto de vista de saúde para quem consome transgênicos. Não é questão de ‘se’, mas de ‘quando’ o problema vai chegar
Em todo o mundo, há mais de 180 milhões de hectares com cultivo de plantas geneticamente modificadas, as chamadas transgênicas. O maior mercado produtor está nos Estados Unidos, com um terço de todo o plantio. Em seguida, vem o Brasil, que cresceu 35% em um ano, e hoje conta com 21,4 milhões de hectares de cultivo transgênico. Globalmente, os transgênicos representam de 8 a 10% da agricultura. No entanto, parte dos médicos e pesquisadores, principalmente europeus, alega que esses alimentos podem ser perigosos para a saúde e para o meio ambiente.
O PhD em Genética Molecular e professor de Biologia Molecular e Terapia Genética, Michael Antoniou, do King’s College London, veio ao Brasil em junho para discussões sobre os efeitos dos transgênicos na saúde. Os eventos, organizados pelo Instituto Saúde e Sustentabilidade e pela ONG Ética da Terra, com apoio da Associação Paulista de Medicina (APM), incluíram seminários para a Universidade Livre do Meio Ambiente (Umapaz) e participação em encontro da Diretoria da APM.
Nesta entrevista exclusiva à Revista da APM, Antoniou explica os eventuais riscos à saúde e refuta alguns dos mais freqüentes argumentos favoráveis aos transgênicos, alertando para a necessidade de as pessoas se preocuparem com a questão, buscarem informações e agirem.
Por que a preocupação com os transgênicos?
A tecnologia transgênica traz uma combinação de genes que não ocorre normalmente na natureza. O processo é altamente mutagênico, interfere na sequência natural de genes e funções, com influência na bioquímica da planta. Isso, juntamente com a introdução de novos componentes na nossa dieta, pode gerar novas toxinas e provocar alergias, além de interferir no valor nutricional da planta. Estudos com milho, trigo e arroz transgênicos já mostraram esse tipo de efeito. Por último, sementes transgênicas como as da soja absorvem herbicidas ou produzem seus próprios pesticidas, que mesmo em baixa concentração, podem se tornar tóxicos. Ao se reproduzir e se espalhar, podem prejudicar o meio ambiente e a vida animal. Não é questão de ‘se’, mas de ‘quando’ o problema vai chegar. Do ponto de vista científico, não vale a pena o risco.
Os defensores dos transgênicos alegam que não há provas de que façam mal aos seres humanos. O que está realmente provado?
O uso de transgênicos, segundo o entendimento moderno da genética, viola a ordem natural. Quem diz que não há sinais de danos e que a tecnologia é absolutamente segura não está agindo de acordo com a ciência. Estudos com alimentação de animais mostram sinais claros de efeitos colaterais do ponto de vista de saúde para quem consome transgênicos. No caso dos humanos, não há monitoramento da população que se alimenta de transgênicos, então não é científico dizer que não há efeitos adversos documentados. Se eles estão apoiando transgênicos, o fazem por razões não científicas.
Um alerta sobre as modificações genéticas
Do que falam os artigos selecionados para as discussões no Brasil?
Os artigos mostram efeitos adversos possíveis e reais no consumo de transgênicos. Mas são apenas representativos; há muitos outros que mostram o os mesmos efeitos negativos para a saúde. De acordo com a legislação, os estudos com transgênicos em animais devem ser feitos em períodos máximos de 90 dias, o que não é suficiente, já que pode haver efeitos a longo prazo, ainda mais que pessoas podem fazer o consumo desses transgênicos pelo resto de suas vidas. Mesmo assim, houve diferenças significativas entre os animais alimentados com transgênicos e não-transgênicos. O primeiro artigo é uma análise de diferentes estudos publicados sobre alimentação, que conclui ser impossível atestar os prováveis efeitos. Ou seja, não é possível dizer que é inseguro, mas com toda certeza também não se pode dizer que é seguro.
O segundo é um dos primeiros estudos mostrando efeitos colaterais em batatas transgênicas. Outro é sobre soja transgênica, na Itália, mostrando que ratos que comeram o alimento tiveram problemas no fígado. Por fim, em outra série de estudos, conduzida pela maior produtora de transgênicos do mundo, mostrou que as três variedades de milho estudadas causavam sinais claros de toxidade nas funções dos rins e do fígado.
Estados Unidos e Europa têm posições totalmente diferentes em relação aos transgênicos. Por quê?
A Comissão Europeia e os políticos americanos são ambos extremamente a favor dos transgênicos. A diferença está na rejeição do consumidor europeu. É isso que manteve os transgênicos fora dos mercados na Europa.
Se os consumidores não vão comprar, não há porque os supermercados abastecerem ou os produtores cultivarem.
Seria perda de dinheiro. Além disso, a regulação é também diferente. Nos Estados Unidos, vale a regra da equivalência, ou seja, que transgênicos e não-transgênicos sejam basicamente o mesmo em sua composição. Na Europa, a base também depende de estudos com alimentação animal e, apesar de se resumirem a 90 dias, alguns já mostram efeitos nocivos, como o aumento da toxidade nas funções de rins e fígado. Em estudos independentes, são enormes as diferenças entre transgênicos e não transgênicos.
Como o Brasil se coloca nesse quadro?
Está claro que a maioria dos brasileiros não sabe o que são alimentos transgênicos. Por outro lado, é muito positiva a atuação das organizações não-governamentais que se preocupam com o problema. São Paulo foi declarada uma área livre de transgênicos.
Isso mostra que se está ouvindo a ciência independente e percebendo que o método não é seguro e, com toda certeza, não é necessário. Agora, é preciso educar a população e as ONG’s têm um papel fundamental nesse cenário.
Um argumento que se usa a favor dos transgênicos é que eles diminuiriam o uso de herbicidas. O que é pior: alimentos geneticamente modificados ou agrotóxicos?
Não se pode separá-los. Apesar de as sementes transgênicas serem mais tolerantes, as indústrias continuam usando herbicidas a fim de maximizar os lucros. Por isso, não é um ou outro; são os dois. Os transgênicos possuem tanto a toxina derivada do processo transgênico quanto a do agrotóxico. As duas são perigosas, em diferentes formas.
Combinadas são ainda piores.
Outra justificativa usada em prol dos transgênicos é o combate à fome. Esse é um argumento válido, em sua opinião?
Essa é mais uma chantagem emocional. Produzimos comida em quantidade mais do que duas vezes suficiente para a população mundial, mas, por questões político-econômicas, as pessoas não têm acesso. Para aumentar a disponibilidade, seria interessante uma mudança de hábitos.
Uma quantidade enorme de terra que poderia estar sendo usada para o plantio é direcionada para a criação de gado. Por outro lado, para produzir um quilo de carne, são necessários oito quilos de grãos para a alimentação animal. Lógico que oito quilos de grãos vão alimentar mais pessoas do que um quilo de carne. É simples matemática: se eu como menos carne, sobram mais grãos. A questão da fome é muito complexa e não tem nada a ver com os transgênicos. Os grãos transgênicos, por sinal, são direcionados para a parte rica do mundo.
Tentaram incorporar milho transgênico na África e não deu certo.
O que se pode fazer para diminuir o mercado dos transgênicos?
As organizações não-governamentais não podem só fazer lobby com o governo. É preciso falar diretamente com a população e educar para que as pessoas influenciem as redes de supermercados e exijam que os transgênicos não sejam vendidos. No Reino Unido, as pessoas disseram ‘não’ aos ingredientes transgênicos e os supermercados responderam retirando os transgênicos dos produtos de marca própria, o que eliminou o cultivo de alimentos geneticamente modificados. Na Europa, o único cultivo transgênico é o de milho e, mesmo assim, com poucos hectares. Se os brasileiros não querem transgênicos, devem se fazer ouvir. Assim funcionou na Europa, escrevendo cartas aos supermercados, produtores de alimentos e aos representantes do governo. Só assim é possível conseguir mudanças. Um exemplo é a canola, uma planta geneticamente modificada que começou a ser cultivada comercialmente em 1998.
Até hoje, doze anos depois, ainda não há nenhum pé dessa planta no Reino Unido.
Além dos transgênicos, como outros fatores relacionados ao meio ambiente podem afetar a saúde?
Há algumas formas óbvias e outras não tão óbvias. Primeiro, há os poluentes do ar e os resíduos químicos gerados pelas indústrias. Mesmo que em pequenas doses, quando acumulados, eles podem atrapalhar o funcionamento do organismo e provocar efeitos na saúde. Em alguns casos, essas toxinas podem matar. Já em relação à genética, percebe-se que a alimentação influencia diretamente na saúde. A epigenética é uma parte da genética que controla o funcionamento dos genes. O meio ambiente influencia a epigenética e interfere no funcionamento dos genes para melhor ou pior. O lado positivo é que, por estar associada basicamente ao estilo de vida, ela é reversível. Uma pessoa com uma epigenética ruim pode mudar seus hábitos e melhorar.
“Estudos mostram efeitos colaterais do ponto de vista de saúde para quem consome transgênicos. Não é questão de ‘se’, mas de ‘quando’ o problema vai chegar
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